Antes de escrever as linhas que se seguem, tive o cuidado de ir ler o que tenho escrito acerca dos atletas olímpicos portugueses, sobre o que achava deles antes do início da competição e já durante a mesma. Creio que o meu discurso pode parecer incoerente mas acredito que, na verdade, não é. Continuo a pensar que há grandes atletas em Portugal e que alguns deles foram a Pequim, muito embora a coisa não esteja a correr mesmo nada bem a uma larga maioria dos elementos da comitiva nacional. Também continuo a achar que a opinião pública embarca facilmente na passagem de "bestiais" a "bestas" dos atletas que, de 4 em 4 anos, aparecem à vista de todos, quando nos restantes anos que permeiam os Jogos Olímpicos (JO) nunca são sequer falados por ninguém. No entanto, as coisas estão, neste momento, num plano de mau ambiente difícil (impossível) de ignorar.
Logo nos primeiros dias, com os resultados do Judo (que ficaram áquem do que se esperava), as fricções entre colegas de comitiva começaram a ser visíveis (e também audíveis e legíveis, através da Comunicação Social*). A menção de Telma Monteiro às arbitragens, a crítica Pedro Dias à diferença de estatuto entre Telma Monteiro e todos os restantes judocas foi o início de algo que só se vem avolumando a partir daí. Agora, já todos os atletas comentam as palavras uns dos outros, defendendo-se a si próprios, criticando os outros, apontando o dedo a quem vai "passear" aos JO ou criticando quem diz que há quem vá "passear" aos JO, dizendo que Portugal está a gastar dinheiro com eles ou dizendo que Portugal devia gastar mais dinheiro com eles, que de manhã é melhor a «caminha» ou que se «não for a sério... não vale a pena». Pelo meio, há um dirigente do COP (que até é o presidente da entidade) a criticar toda a gente; literalmente, toda a gente: desde quem fala na caminha, como quem acaba de ganhar uma medalha e refere que nem toda a gente "dá o litro" nos JO, não deixando também de criticar a Comunicação Social, a quem falou - e que reproduziu fielmente o som das declarações - mas veio desmentir no dia seguinte. Ah... esse dirigente também diz, a meio dos JO, que se vai embora daqui a uns tempos. Faz lembrar Scolari no Euro2008. E olha como isso deu "bons" resultados...
No calão do Jornalismo Desportivo, costumamos dizer que, quando toda a gente aponta o dedo a toda a gente, o "balneário está todo f...". E este está, de facto, todo...
Curiosamente, o que se está a verificar em Pequim com a Missão Olímpica Portuguesa é só um triste espectáculo em que se percebe claramente que há todo um país a duas velocidades (ou somos os maiores ou sempre os mesmos desgraçadinhos) e em que continua a imperar a filosofia do "Em casa que não há pão...". O chato é que se está a discutir o problema da forma mais errada, digo eu.
Na minha opinião, o estado actual do nosso Desporto (e da nossa equipa olímpica) é a fiel imagem da nulidade de ideias que existe há anos na abordagem ao exercício físico no nosso país. O Desporto Escolar (DE) é, que eu saiba, um corpo estranho a todo universo escolar nacional, por exemplo. No meu tempo, o DE era só uma brincadeira, extremamente mal organizada e inconsequente; ia-se sem espírito competitivo, sem condições e sem esforço de ninguém para que dali saísse algo de bom, a não ser o facto de se passar um dia, de vez em quando, longe da escola de origem e passá-lo noutra; nada mais. Antes disso, na Escola Primária, o nosso "desporto" era o berlinde e a futebolada ocasional nos intervalos. Actualmente, já há Educação Física no 1º Ciclo ("Expressão e Educação Físico-Motora") mas continuo a ver a criançada mais dedicada aos comandos das consolas. Obviamente, se uma criança não for devidamente motivada a exercitar-se e a gostar de praticar desportos enquanto é possível "torcer o pepino", não será certamente depois da adolescência (já com muitas - demasiadas - horas de PlayStation contabilizadas, em detrimento do exercício físico), que a rapaziada vai sair de casa (e de frente da TV) para correr, nadar, juntar-se a uma equipa de Voleibol, Basquete ou, sei lá, de Natação Sincronizada. Tudo porque essas actividades nunca sequer lhes são dadas a conhecer devidamente. A regra em Portugal é que os miúdos praticam os desportos que os pais estão dispostos a "subsidiar", sendo que os pais normalmente vêem o esforço de ir levar a miupeõesdagem aos treinos como uma maçada ou só como mais um modo de não terem de ser "pais" por mais umas horitas**.Além disso, os horários escolares em Portugal, não permitem tempo para este tipo de actividades e, muitas vezes, os treinos desportivos extra-curriculares de crianças e jovens acontecem em horário pós-laboral (quando joguei futebol, em miúdo, os treinos eram às sete da tarde ou oito da noite - hoje em dia, isso não é muito diferente... e já se passaram 25 anos!).
Portugal não pode continuar a desesperar por medalhas e a exigí-las da forma que exige aos atletas olímpicos. A verdade é que não pode haver qualidade se não houver, primeiro, quantidade. Por vezes, há qualidade (temos, repito, grandes atletas, que eu admiro muito e acho que devem ser acarinhados e motivados), mas isso é mais uma questão de sorte em haver alguém com talento e características físicas favoráveis do que propriamente capacidade do país na formação de campeões. É essa capacidade que Portugal precisa desenvolver rapidamente. Se o fizer, os resultados deverão surgir (se tudo der realmente certo) lá pelos JO de 2024, nunca antes (e, até lá, era bom que os portugueses em geral tivessem a noção de que saber esperar é uma virtude). Se não o fizer, corre o risco de o que se está a passar em Pequim se repita em Londres daqui a 4 anos, e também daqui a 8, 12, 16, 20... ou até que Portugal deixe definitivamente de ter uma Missão Olímpica, pura e simplesmente.
Pensar nisto (a sério) não custa nada. Se ninguém pensar é que o custo será tremendamente mais elevado.
= = = = = = = = = = = = =
* Aproveito para recordar que todas as declarações feitas pelos olímpicos portugueses em Pequim aos jornalistas (que já vi serem acusados de "fabricarem" uma suposta polémica acerca deste assunto), foram prestadas livremente, por cada um, que deve ser responsável pela sua própria opinião.
** No "capítulo" dos papás que levam os filhos aos treinos ainda há outra realidade preocupante: a dos pais que colocam os filhos em escolas e clubes de futebol unicamente para que estes se tornem "Cristianos Ronaldos" (e que são bem duros e exigentes com eles, com os treinadores que não os colocam de início, com o outro miúdo colega de equipa que até passou uma rasteira ao filho... ah... e com o resto do mundo também) com o objectivo final de que uma eventual transferência para o Real Madrid lhes venha a possibilitar ter uma velhice de $onho. Mas isso são contas de outro rosário, para outro post, quando me der para falar nisto de novo.