Lembro-me que no dia 3 de Março de 1989, a meio da tarde, comecei a ouvir um relato de futebol... na Sala 12... tanto quanto possível sem que a minha professora de História se apercebesse. Tinha 13 anos. Com frequência fazia muita coisa que não devia durante as aulas (de História e das outras disciplinas). Ainda assim, nunca me tinha dado para ouvir rádio na sala de aula mas disseram-me que o jogo valia um título mundial...! Mesmo não conhecendo ninguém que fizesse parte daquela selecção portuguesa, decidi correr o risco, até ao próximo intervalo. Minutos depois do apito inicial, olhei em volta e percebi que afinal não era o único - havia mais gente de auscultadores discretamente enfiados nos ouvidos, a seguir as incidências da partida. Nesse dia, Portugal derrotou a Nigéria por 2-0, numa cidade distante chamada Riade, na Arábia Saudita, com golos de um Abel (que veio depois a ser também Silva - mas nunca foi uma grande referência) e de um Jorge Couto (que jogou no FCPorto e no Boavista). Lembro-me que lá na Secundária a malta festejou efusivamente, mesmo não sabendo bem que título era aquele - aos 13 anos, naquela altura, numa pequena vila do distrito de Coimbra, nem eu nem os meus colegas conhecíamos Abéis, Coutos, Bizarros, Pintos, ToZés... nem sequer Carlos Queiroz. Portugal tinha ganho pela primeira vez um título mundial de futebol e isso, só por si, era razão para o regozijo.
No entanto, a partir desse dia 3 de Março de 89, tudo mudou.
Dos jogadores utilizados nessa final (Bizarro, Abel, Morgado, Jorge Couto, ToZé, Hélio, Paulo Madeira, Filipe, João Pinto, Valido, Amaral, Paulo Alves e Folha) poucos chegaram a ser verdadeiras estrelas como alguns que vieram a surgir depois disso (alguns desses atletas também Campeões do Mundo Sub-20 em Lisboa, em 1991). Mas o facto é que desde 3/3/1989 Portugal se tornou ("oficialmente") num "viveiro" de grandes talentos. Figo, Rui Costa e Baía foram exemplos de como a Europa se rendeu (de bolsas de cordões abertos) ao potencial lusitano; mais recentemente, Cristiano Ronaldo, Nani, Simão, Quaresma, Maniche, Danny (e tantos outros) são o exemplo de que essa rendição continua. Mas agora é tudo diferente.
Em 89 ninguém sabia quem eram os "Heróis de Riade". Em 2008, toda a gente sabe quem são os... bom... "heróis das tranferências milionárias", muito embora nos seus currículos não figure qualquer título mundial (título europeu, talvez... mas mundial... não). É por isso que eu não entendo a prestação da selecção Sub-21 no apuramento (falhado) para o Europeu da Suécia em 2009. Falhar pode acontecer, eu sei, mas (não) jogar como se viu... sendo estes jogadores as referências que (já) são a nível europeu... é inadmissível.
Tenho pena que o "anonimato" de 89 nunca mais se repita. Penso nisso sempre que vou à FPF e vejo o Diploma de 1º Classificado do Campeonato do Mundo de Riade exposto na vitrine interior da sede federativa. Nessa altura, ser-se desconhecido foi um elemento motivador, acredito, para qualquer um dos eleitos de Queiroz ao Mundial da Arábia Saudita.
Hoje em dia, a "motivação" parece ser a ascenção rápida (meteórica, se possível) à selecção AA ou a um grande clube europeu, sendo que as fases de apuramento e fases finais de Europeus de Esperanças só parecem atrapalhar quem ambiciona ardentemente essa ascenção (essa, sim, parece ser realmente importante e não o resto). Portugal falha a ida ao Euro de Sub-21, após quatro presenças consecutivas no torneio. Em 2004, Portugal ficou em 3º lugar mas em 2002 e nas duas últimas edições (2006 e 2007), a equipa falhou a passagem da fase de grupos para a segunda fase. No ano passado, na Holanda, falhou-se também, em simultâneo, o apuramento para os Jogos Olímpicos e em 2006 a participação no Euro (com a agravante de ser organizado por Portugal) foi desastrosa. O mesmo aconteceu nos Jogos Olímpicos dois anos antes, em Atenas, mesmo estando a selecção cheia de "craques" (Moreira, Fernando Meira, Jorge Ribeiro, Bruno Alves, Carlos Martins, Raúl Meireles, Bosingwa, Tiago, Hugo Viana, Hélder Postiga, Luis Boa Morte, Cristiano Ronaldo, Danny, entre outros). Dá que pensar, não dá?
Desta vez, então, o verão (de 2009) fica livre para alguns dos jogadores que até hoje constituiam a Selecção Portuguesa de Sub-21 agora se concentrarem unicamente no seu futuro e não com o facto de estar numa grande competição em Junho (quando mercado começa a fervilhar). E, até lá, Carlos Queiroz pode sempre fazê-los ascender, de facto, a selecção AA. Por essa altura, no entanto, nenhum deles será "anónimo", como os Abéis, Coutos, Bizarros, Amarais, Pintos e ToZés de 89. Vinte anos passaram e a fama conseguida através do pioneirismo destes "Heróis de Riade", que têm um diploma da FIFA em casa, acabou por só beneficiar os outros que vieram a seguir, que todos os miúdos de 13 anos já conhecem (e também admiram, copiam e sonham ser) e que fazem vibrar (ou assim julgam eles) o mercado europeu todos os defesos, mas a quem a FIFA nunca teve motivos para "diplomar".
Sem comentários:
Enviar um comentário